quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Primeiro Capítulo - Disponível!

Capítulo 1

A pouca luminosidade presente dificultava e muito os rápidos e longos passos do sujeito. Conforme tateava as paredes laterais, punhados de terra vermelha caiam no chão. A luz vinhas das tochas feitas de madeira, essas ficavam enterradas até a sua metade nas paredes bastante íngremes, a maioria delas já havia sido apagada pelo tempo sem que ninguém visitasse ou pelo menos passasse por ali. (continue lendo)
Nas paredes viam-se buracos que pareciam não ter fim e outros inacabados, mostravam o cessar da construção de outros túneis catacumbários. A silhueta se deslocava muito rápido com passos desesperados, e mantinha-se encurvada praticamente a noventa graus por causa do teto que era muito baixo. Sufocado pela poeira e pela falta de ar, o estranho arregalava os olhos conforme passava pelas diversas vias de acesso do local.
As paredes eram todas cheias de criptas e túmulos, como se fossem prateleiras umas sobre as outras, o chão com terra batida e a grande quantidade de poeira só deixavam mais difícil a progressão do estranho até seu destino.
A distância que separava uma parede a outra tinha menos de um metro, nos muitos túneis que se abriam lateralmente, apresentavam algumas salinhas abobadadas contendo esculturas e outras peças artísticas, provavelmente de uma época mais remota.  Todas  as esculturas estavam cobertas por teias de aranha e praticamente ficavam irreconhecíveis.
Movia-se mais rápido do que nunca, descalço e com uma túnica, a luminosidade aumentava e o ar também já não estava mais escasso. Pegou uma via a esquerda e seguiu ligeiramente, quase correndo, os túmulos eram intermináveis o bastante para deixá-lo enjoado com o forte odor, mas ele não hesitou em tampar o nariz com a manga da própria túnica que também estava suja. Seguiu por mais alguns metros e se deparou com uma enorme e infindável escada estilo marinheiro, os degraus pareciam subir mais de dez metros até o solo, não hesitou em subir. Ouvia-se somente a forte e rápida respiração do sujeito, algumas poucas vezes os estalidos das tochas acesas.
Os degraus aparentavam estar totalmente podres por serem velhos demais, não eram muito confiáveis, isso não foi surpresa ao estranho, que após subir quebrou um degrau e bateu fortemente a canela no que estava abaixo, isso fez que ele soltasse um grito que fora ecoado nos túneis.
Tentou subir mais um pouco e percebeu uma porta de madeira de um metro quadrado cravada bem acima de sua cabeça, empurrou com uma das mãos, mas não fora bem sucedido ao cair poeira nos seus olhos. Pegando uma tocha apagada que estava no canto dos degraus, começou a bater com força na fechadura da porta, tanta força fez que quebrou um dos degraus novamente. Aquilo poderia ser hilariante se alguém além dele estivesse ali. Com raiva, o estranho bateu novamente,entretanto com mais força que a porta se abriu batendo no solo do lado de fora, resultando em um som agudo e absurdamente alto ao se abrir. Já com a cabeça pelo lado de fora do túnel, observou a pequena sala em que estava , com uma enorme janela e alguns bancos vermelhos nos cantos, a sala poderia ser comparada com o interior de um cilindro com um teto avantajado e abobadado. Estava iluminada por muitas velas, facilmente percebia as pinturas nas paredes; o teto era revestido em ouro, prata com clássica combinação de madeira maciça e pesada. No vitral colorido havia a presença de uma enorme trinca que dava a observação ao outro lado daquele salão.
Sujo de terra, ele tirou o pesado capuz e mostrou um cabelo bastante grande e descuidado pelo tempo, sua pele trazia cicatrizes enormes de alguma guerra ou conflito, franziu as rugas da testa analisando um pouco mais do local. Tinha uma altura mediana e um corpo magricela aparentando um Jesus Cristo dos filmes que passavam na televisão, os pés descuidados e sujos haviam sujado todo o liso e desenhado chão daquela sala.
Foi até o vitral e tentou abrir uma pequena fresta ao mexer na trinca, mas estava dura. Colocou um dos pés na borda da janela e enquanto mantinha o outro firmemente apoiado no chão, com as duas mãos tentou abrir e num solavanco conseguiu cambaleando, por pouco não caiu. Olhou pela abertura, entretanto, se jogou rapidamente no chão ao dar logo de cara com as costas de um militar, que carregava consigo empunhada uma arma pesada. A respiração do estranho ficou mais acelerada. Ele ficou ali, parado por alguns segundos até ouvir as vozes de quem estava do lado de fora:
- Vocês ouviram algum barulho? – perguntou um guarda.
- Não, acho que não, deve ter sido algum homem de Deus que estava no banheiro da basílica, ou talvez, algum demônio entrando por algum lugar. – outro homem disse zombando.
As prolongadas risadas dos militares ecoaram do lado de fora da basílica. O estranho cabeludo se levantou e não se preocupou em fechar a trinca, tirou um objeto irreconhecível da túnica e rapidamente o devolveu ao bolso interior, uma porta de vidro toda desenhada dava acesso a algum lugar mais adentro da arquibasílica.
A maçaneta preservava um formato semiesférico com detalhes artísticos, colocando uma das mãos sujas e mal cuidadas, tentou abri-la, mas estava fechada. Começou a balançar a porta, sem obter êxito, foi até um dos bancos vermelhos, virou-o para baixo e tirou dois pequenos arames que faziam parte de uma grade sustentadora do banco, tinha aproximadamente o tamanho de um alfinete. Depois os colocou na fechadura mexendo estrategicamente os pedaços de arame em lados opostos um ao outro, só cessou quando ouviu o barulho dos mecanismos que se deslocavam dentro do miolo da fechadura. Girou a maçaneta que por sorte havia sido aberta com êxito.
Colocou os dedos para fora da porta, logo depois a cabeça com muita atenção ao que fazia. Viu-se de frente para dois enormes amontoados de cadeiras almofadadas que se dividiam por uma passarela e seguia até uma enorme abside, finalmente deu-se conta que tinha chegado ao seu destino, abriu um sorriso com alguns dentes e disse em uma voz bastante rouca:
- Finalmente cheguei à basílica fundada por Constantino, esta é arquibasílica de São João de Latrão, onde termino minha caminhada, mas começo uma grande profecia – sua rouquidão distorcia as palavras que nem ao menos ecoavam pelo salão enquanto andava escorando em uma parede perfeitamente esculpida e desenhada.
Nas paredes mostravam-se grandes e invejáveis estatuas dos discípulos de Jesus Cristo, dentre elas uma era enorme, a de Pedro. O teto tinha quase a mesma aparência da sala anterior, se não fossem as formas quadradas e o enorme lustre central que deixava o local ainda mais calmo. O chão também era todo desenhado magnificamente, aquela era uma das imagens de mais bela arte e bem feitoria que poderia se imaginar em algum local, totalmente feita a mão por antigos artistas cristãos e pagãos.
Ao virar para a parede, se deparou com a principal abside cercada e protegida por uma corda vermelha, suspendida por pedestais, ela impedia a passagem de turistas e visitantes curiosos. A abside era a grande atração da arquibasílica, com grandes janelas e com um trono papal, essa arquibasílica é considerada a mãe de todas as basílicas do mundo.
Não hesitou em atravessar a abobadada, depois passou pela corda vermelha, por onde andava deixava rastros de terra. Sem demora chegou até a escada de frente para o trono papal. Nos cantos da abside haviam enormes bancos almofadados com vermelho, eram iguais aos bancos da sala anterior, feitos de tecido e madeira nobre. Subiu uma escadaria de poucos degraus e defrontou-se com uma placa escultural de cor branca onde tinham gravados alguns símbolos religiosos e escritas em outra linguagem.
De joelhos em frente ao pedestal, passava rapidamente as mãos na parede procurando por algo que ainda não encontrara. Gotas de suor molhavam o chão, o desespero parecia lhe tomar conta, a sua respiração aumentava junto com a vontade de querer achar o que tanto procurava, a dificuldade era tatear a parede ao mesmo tempo em que apurava os ouvidos a qualquer som que não fosse vindo dele mesmo. Depois de algum tempo procurando, sentiu um ponto em alto relevo, apertou-o com mais força, um buraco de mais ou menos vinte centímetros de diâmetro se abriu com um som de pedras se deslocando, o sujeito ria como se aquilo fosse a melhor coisa do mundo. Ao abrir a cavidade por inteiro, um forte trovão o assustou resultando em um pulo desengonçado. Olhou para trás novamente, então teve a certeza de estar sozinho por ali. Os pingos de uma chuva forte pareciam tiros ensurdecedores nos vitrais do teto acima de sua cabeça.
Ainda ajoelhado, colocou a mão encardida no bolso da túnica e tirou um embrulho vermelho de dez centímetros exibindo um brasão bordado no centro. O símbolo não era estranho e quase pegava metade do embrulho, o tecido era fino e brilhava muito com a luminosidade do lustre do teto próximo a abside.
Olhou para a pequena brecha na parede, colocou o pano avolumado no interior da cavidade e tentou procurar outro local na parede para fechar a abertura. Com a ajuda das mãos no chão ele se colocou em pé.
Direcionou o olhar para o teto ovular, que apresentava figuras de Jesus Cristo com anjos acima da sua cabeça e abaixo dele outras divindades e animais, que demonstravam a supremacia da igreja na idade média, ele disse:
- Senhor meu. Espero que eu tenha feito tudo da forma mais correta possível – disse isso pegando uma navalha que estava presa em um suporte na canela. Abriu a túnica e com a lâmina começou a ferir violentamente o seu peito nada robusto, se cortou até a região do abdômen, viu o líquido vermelho escorrer pelo corpo até o chão. Sentia muita dor, mas mesmo assim continuou a fazer outro ferimento horizontal no peito cruzando com o primeiro, formando uma cruz, o sangue escorria demasiadamente. Passou o dedo indicador nos ferimentos e com ele encheu toda a escada branca do pedestal de símbolos e palavras em latim. Alguns minutos depois, tentou estancar com as mãos o machucado, porém não conseguiu, era grande o ferimento, desistiu e se arrastou para o meio da abside deixando um grande rastro de sangue no chão, com o corpo fraco se apoiou em um banco próximo, mas caiu de cara no piso liso, não tinha mais forças para sair dali, pensou que fosse morrer.
Levantou-se com esforço sobre-humano, quando fez isso um envelope branco caiu da sua túnica sem ser percebido, andou até a corda avermelhada e olhou novamente para a abside, viu uma imagem totalmente aterrorizante.
Deu as costas para a abobadada enquanto cuspia sangue pela boca e se dirigiu para a mesma sala de onde veio, após trancá-la, colocou metade do corpo para dentro do buraco que descia pela escada, olhou para todo o local como se nunca mais fosse voltar ali e com um som estridente fechou a pequena porta cravada no chão.
A sala toda mergulhou na luz dos relâmpagos e nos ensurdecedores barulhos dos fortes trovões. E o que restou foram somente a solidão e o eco abafado da madrugada e da chuva batendo na janela, nada mais que isso.

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